Venha até mim, ó Beleza
Lembre-me da Musa
E me encha de certezas.
Você sente o sorriso irônico do Destino.
Ele te observa, como uma peça, como uma formiga em seu circuito.
Esqueça isso, concentre-se no passado — tudo não passa de um truque do Destino.
Eu queria ter te dito muita coisa.
Eu queria dizer muita coisa.
Eu te admirei desde o momento em que te conheci, mas senti um profundo medo.
Eu sinto uma tristeza quando penso em você e uma alegria imensa quando falo com você.
Eu sinto uma ternura quando te vejo e uma dor imensa quando te perco.
Naquele dia na Torre, eu fui um covarde.
Os covardes morrem muitas vezes antes de sua verdadeira morte.
Eu fui um covarde.
Mas eu lembro do seu cheiro, do seu cabelo; lembro de você olhando para o sol de manhã.
Eu não fiz nada porque fui um covarde.
Porque não queria parecer estranho, à época — estranho para você.
Hoje percebo que eu estava me escondendo de mim mesmo.
Eu estou cansado. Essencialmente, de mim mesmo.
Eu escrevi minhas exortações — e talvez seja a hora de fazer minhas confissões.
Você nunca lerá elas.
Meus pais se divorciaram muito cedo, e eu não sei por quê.
Eu me culpei durante muito, muito tempo mesmo, pelo divórcio deles.
Filho único de pais divorciados um pouco depois de eu nascer.
Durante muito tempo, imaginei o quanto eles seriam felizes se eu não tivesse nascido.
Ou, quem sabe, se eles tivessem tido outro filho que não fosse eu.
Não tenho muitas memórias da minha infância, exceto três ou quatro — e duas são relacionadas ao divórcio.
Lembro dos meus pais brigando com muita raiva.
Meu pai quebrou os esmaltes que minha mãe tinha e usava para alguns bicos, e que ela gostava tanto.
Um por um.
Enquanto ela chorava.
Durante muito tempo, no antigo guarda-roupa dele, ainda havia as marcas da tinta do esmalte.
Ele esqueceu. Talvez ela também.
Mas eu não.
Acho que eu tinha três ou quatro anos na época.
Lembro de um dia em que minha tia — irmã do meu pai — me buscou no jardim de infância.
Era Dia dos Pais, ou algo do tipo, e todos levavam presentes aos pais.
Eu não.
Quando ela perguntou por que, eu respondi que era porque meus pais não estavam juntos.
Eu tinha três ou quatro anos também. Foi antes da escola.
Meu pai me colocou no colégio militar quando fiz cinco anos.
Ele dizia que seria muito bom para mim, que as outras escolas que ele podia pagar, ou que eram públicas, não me serviriam.
Meu pai destruiu todas as minhas demonstrações que não fossem relacionadas à escola.
Eu não tinha amigos fora da escola, não lia nada que não fosse da escola, as coisas que eu escrevia eram irrelevantes.
Lembro que gostei de artes por um tempo curto, antes de ele destruir isso.
Sempre gostei de música — minha mãe também sempre gostou, de cantá-las, até quando não sabia a letra —
e ele me ridicularizou o suficiente para que eu tivesse vergonha disso durante muito tempo.
Aprendi com meu pai a falar grosso e como se estivesse dando uma ordem aos outros.
Às vezes isso é bom, mas percebo que essa rispidez é uma forma de defesa também.
Uma defesa que você não controla.
Meu pai nunca me deu apoio, mas sempre me ajudou.
Minha mãe nunca me ajudou, mas sempre me deu apoio.
Mas eu nunca tive os dois ao mesmo tempo.
Não eram pares que se completavam.
Eu não tenho uma lembrança dos meus pais juntos.
Talvez tenha sido culpa minha mesmo.
Meu pai sempre me tratou e me chamou de imbecil.
Eu me voltei aos livros porque era um mundo à parte —
uma vida com mais graça, mais perfeita, ou parecida com a minha,
que me ajudava a compreender o que eu sentia, o que eu vivia, as pessoas à minha volta.
E também porque me sentia mais inteligente que os demais — mesmo que não para meu pai.
Minha mãe se interessava, lia algumas coisas, mas não entendia bem —
e, aos poucos, acho que desenvolvi algum desprezo por ela.
Quando eu tinha uns dez anos, meu pai não estava falando comigo por algum motivo.
Quando ele não reclamava de algo, ele me ignorava.
Às vezes, ele me batia muito também.
Eu não sei por quê — talvez eu fizesse alguma coisa errada.
Hoje em dia, eu não sei dizer.
Lembro que mentia para ele às vezes, mas muito mais por medo de ele descobrir algo e me bater, do que por alguma malícia.
E nunca foi nada grave.
Enfim, ele não quis receber um texto meu da escola para ele no Dia dos Pais.
Lembro que chorei muito com meu primeiro cachorro — Zeus —, o abraçando e conversando com ele.
Esse meu cachorro foi, durante muito tempo, durante todos os seus dez anos de vida, meu único amigo.
Eu sinto muita saudade dele.
Queria tê-lo agora.
Tenho boas lembranças dele.
Chorei muito quando ele morreu e, até hoje, lembro dele.
16/07/2017 foi a data da sua morte.
Eu o tive dos meus cinco aos quinze anos — da infância até a adolescência.
Ele foi meu anjo negro.
Alguns anos depois, uma vez, meu pai me perguntou o que eu queria ser quando adulto.
E eu não sabia.
Ele brigou comigo, e eu, inocentemente, respondi que queria ser como ele.
Ele disse que não, e me expôs os motivos.
Achei particularmente difícil saber o que fazer quando tudo o que eu fazia era idiota e insuficiente,
e quando tentar emular ele mesmo seria insuficiente e ruim.
Ademais, como ouvir do seu pai que você não deve, em nenhuma hipótese, ser como ele?
Quando eu tinha quinze anos, fiquei um pouco mais livre do ambiente militar do colégio e da opressão do meu pai.
Foi quando, aos poucos, chegamos ao acordo tácito em que vivemos de cada um para seu lado.
É triste, mas é funcional. E me contento com isso.
Foi quando comecei a escrever mais livremente, quando comecei a ler mais, também.
Não quero contar a história da minha vida toda.
Nem sei por que estou escrevendo isso.
Talvez porque eu queria te explicar que tenho mágoas e problemas pessoais que me deixam muito defensivo.
Tenho poucos amigos por isso, acho.
Sinceramente, me pergunto o motivo de meus amigos serem meus amigos.
Eu não sou agradável — ora intransigente, ora volúvel.
Eu não gosto de escrever. Eu odeio escrever.
Eu odeio ler as coisas que leio, também.
Me sinto atormentado porque, se eu não fizesse nada disso, talvez fosse comum.
Talvez fosse melhor como pessoa.
Talvez eu não tivesse dúvidas e problemas.
E talvez eu pudesse ter amigos, uma namorada, um emprego bom, uma vida feliz.
Eu quero escrever coisas belas para que sejam lidas por algum garoto atormentado como eu,
quando li Drummond, Vinicius de Moraes, Álvares de Azevedo, Camus, Rimbaud etc.
Quando vi beleza e inspiração, quando tentei imitá-los, quando fui atrás de suas vidas.
Mas eu não consigo gostar de quase nada que escrevo — acho patético, ruim.
Me sinto atormentado porque não consigo me sentir inteligente e, ao mesmo tempo,
sinto um desprezo muito grande pelas pessoas e coisas ao meu redor.
Não acho que serei lembrado daqui a algumas décadas, ou quando morrer.
Ser esquecido é o pior de tudo.
Mas, pior ainda, é nunca existir.
Naquela noite, você me causou uma grande e terrível impressão quando percebi que existi nos seus olhos —
e que meu reflexo era terrível.
Quando percebi que te magoei quando não queria te magoar —
na verdade, que te magoei porque não queria me magoar.
Hoje, você me persegue como um fantasma em meus sonhos.
Sinto sua falta.
e sinto uma agonia tremenda quando você me ignora e quando não nos vemos,
e uma alegria imensa quando conversamos e quando escuto sua voz.
Estou tentando ser melhor não apenas por você — embora você seja um grande motivo —
mas porque estou cansado de ser infeliz.
Me odeio profundamente
e vivo a angústia de ser uma decepção ou uma farsa.
Acho que fui uma decepção para você.
O mais estranho é que continuo, como desde o começo, compilado a você.
Sinto alguma ternura por você.
Fui ríspido com você porque sabia que isso aconteceria — o que está acontecendo agora.
Você me machuca profundamente, terrivelmente — acho que, às vezes, sem querer (outras, por querer).
Não sei se você sabe a dimensão disso — mas é horrível.
Eu sabia disso, e me defendi com meus espinhos.
Mas estou deixando tudo fluir —
é agradável, mesmo que me machuque com os espinhos das pétalas.
Sempre pensei no suicídio,
e escolhi o mais belo dos suicídios.
Pensei, quando te conheci, que se tivesse te conhecido daqui a dois anos, eu casaria com você.
Hoje percebo que não faria diferença alguma —
exceto que, daqui a dois anos, seria ainda mais patética minha condição.
Me tranquei em meus portões esperando dois anos
e acabei morrendo de fome em dois meses.
Sinceramente,
L.F.